Sigilo da arbitragem como barreira à reparação civil dos acionistas
O direito brasileiro ainda não protege de modo eficiente acionistas e investidores. Seja por insuficiência normativa, seja por falta de interesse dos órgãos fiscalizadores, fato é que existe histórico reduzido de ações judiciais e arbitragens para a defesa de acionistas. E não deveria ser assim. É necessária uma maior conscientização da importância do direito à devida reparação dos investidores lesados. Para isso, é recomendável a adequação de instruções da CVM, Lei das S.A. e do regulamento de câmaras de arbitragem, especialmente da Câmara de Arbitragem da B3 (CAM).
Há cerca de 400 companhias com ações admitidas à negociação na B3, das quais 45% estão listadas nos segmentos especiais, em que é mandatória a inclusão de cláusula de arbitragem em seus respectivos estatutos sociais.
Embora a arbitragem tenha indiscutíveis vantagens ligadas à especialização dos julgadores e celeridade, o caráter sigiloso dos procedimentos tem criado barreiras à efetiva proteção dos direitos dos acionistas. A CAM optou pela regra de sigilo dos procedimentos. Com isso, tanto o mercado quanto a CVM podem não ser comunicados da existência dessas arbitragens. Contudo, acionistas e investidores têm legítima expectativa de receber informações sobre todos os litígios, pois a divulgação é essencial para a formação de preços e tomada de decisões.
A CAM poderia repensar suas regras, para que a publicidade se torne o padrão e o sigilo a exceção, quando as circunstâncias concretas assim justificarem (segredos e informações comerciais sensíveis) e estritamente na medida do necessário (é possível a preservação do sigilo de apenas determinados documentos e atos). A própria CVM poderia fazer o escrutínio das situações em que o sigilo se justificaria.
A CVM poderia, ainda, atuar diretamente nas arbitragens, como interventor obrigatório, criando regras que a possibilitaria oferecer parecer e intervir em todas as arbitragens que envolvessem o mercado de valores mobiliários.
A leitura das Instruções CVM 480 e 358/02 parece levar à conclusão de que apenas os impactos de eventuais perdas deveriam ser divulgados pelas companhias. Entretanto, a CVM poderia passar a exigir a divulgação de etapas específicas das arbitragens, como a data da instauração da arbitragem, do Termo de Referência, das audiências e da sentença. A CVM poderia ir além e exigir a divulgação do objeto, partes e valor envolvido na disputa, além dos custos e despesas com a CAM e os árbitros.
Seria recomendável uma obrigação de informar à CVM quando do recebimento de qualquer Requerimento de Arbitragem envolvendo direitos de investidores, independentemente da avaliação interna sobre a materialidade do assunto. Qualquer procedimento arbitral envolvendo investidores deveria ser considerado fato relevante, sob pena de incentivo a ações individuais, em detrimento da coletividade de investidores lesados.
A Lei das SA também poderia ser alterada de forma a privilegiar as ações coletivas e disciplinar a extensão do efeito da sentença arbitral a todos os investidores. A cláusula de arbitragem da CAM também poderia disciplinar mecanismos para viabilizar a adesão de investidores, como regras para a participação na nomeação dos árbitros e nos demais atos do processo arbitral.
Não parece justo, nem razoável que apenas determinados acionistas, que instauraram a arbitragem, tenham acesso à justiça. O binômio informação e oportunidade de participação deve ser garantido a todos os investidores, para fortalecimento do mercado de capitais e consequente desenvolvimento econômico.
Julho, 2020 | Manassero Campello Advogados